Primeira Infância, Desenvolvimento e Socialização
Patrícia Maria Santos e Cunha de Oliveira
Palavras-Chave: Primeira Infância, Vinculação, Individuação, Socialização, Desenvolvimento, interacção, figura(s) cuidadora(s), personalidade, sociabilidade, emoção, cognição.
Resumo: Primeira Infância, Desenvolvimento e Socialização pretende discutir - sob a óptica do Desenvolvimento Humano - da importância Educativa e social do período correspondente à Primeira Infância (do nascimento aos 3 anos de idade), bem como da oportunidade da introdução das crianças nesta fase de desenvolvimento em instituições educativas (berçário, cresche ou jardim de infância), ou, no sentido oposto, da sua Educação precoce por um ou vários adultos em ambiente familiar (mãe, pai, avó(s), ama, etc).
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A criança não existe no vazio (Eisold, 2001), desenquadrada de um contexto humanizado. O seu processo de se tornar pessoa irá depender das oportunidades fornecidas pelos seres humanos que a rodeiam, nomeadamente pais, professores/educadores e pares (Carvalho, 2005, p. 7).
O Modelo de Desenvolvimento Sociocultural de Vigotsky, coloca a tónica desenvolvimentalista no apoio dos outros, nomeadamente dos “mais velhos”, na medida em que potenciam a aquisição de novas competências, tanto pelo exemplo, como pelo acompanhamento e ajuda, potenciando a exploração da ZDP. A Perspectiva Bioecológica de Desenvolvimento de Brofenbrenner, postula que o desenvolvimento humano se situa obrigatoriamente num contexto, espácio-temporal-relacional, sendo determinantemente influenciado pelas interacções entre o indivíduo e o meio (o qual é constituído por variáveis de estrutura – características físicas, ambientais e humanas – e por variáveis de processo – relacionadas com a dinâmica das interacções entre o próprio e os outros) nesse mesmo contexto. Considerando estas teorias e as ideias de Schutz (referido por Fisher, 1996, adaptação, p. 4) - de que a socialização se processa em função da dinâmica das necessidades de sociabilidade de cada indivíduo, a saber: a necessidade de inclusão, a de controlo (segurança e influência sobre o outro) e a de afecto, - e as de Mead (referido por Aebisscher & Oberlé, 1998, adaptação, p. 8) - de que a capacidade de adaptação às exigências do outro (presente desde as primeiras interacções entre a mãe e o bebé) que constitui o início do comportamento ligado ao desempenho de papéis, é o que permite, simultaneamente, o desenvolvimento cognitivo e a socialização - podemos inferir que da superior qualidade e quantidade das interacções resultarão maior e melhor socialização e maior e melhor desenvolvimento do indivíduo, o que parece favorecer a hipótese de que a colocação de qualquer criança em instituição educativa oferece nítida vantagem desenvolvimental.
No entanto, e porque podemos inferir igualmente das ideias de Mead que a socialização se inicia imediatamente após o nascimento, importa explorarmos um pouco mais o processo pelo qual ela se faz – o de Vinculação:
Como definido por Bowlby, este é um comportamento adaptativo, necessário à sobrevivência, inscrito biologicamente, e resultado do processo evolutivo da espécie humana, no qual é indispensável a proximidade (distância física necessária entre o bebé e a figura parental ou substituta que permite, no comportamento de vinculação, responder às necessidades da criança). A sua origem encontrar-se-ia na necessidade básica de contacto/conforto (descoberta por Harlow nos seus estudos com macacos Rhesus e também reconhecida pelo investigador nos bebés humanos, que manifestam a necessidade de estar em contacto físico com a mãe ou outro cuidador) e não na de alimentação, como se pensou inicialmente, o que os estudos de Spitz corroboram, através da observação de um conjunto de perturbações vividas por crianças insitucionalizadas e privadas de cuidados maternos, levando-o a concluir da inalienável necessidade de laços e de contactos afectivos entre o bebé e o adulto (mãe ou agente maternante), sendo que a sua ausência pode conduzir a perturbações emocionais, comportamentais e desenvolvimentais graves.
Concluindo, o processo vinculativo visa dar resposta às necessidades inactas de afecto, contacto físico, e relacionamento social, através de esquemas comportamentais igualmente inatos, os quais se manifestam logo após o nascimento e permitem estabelecer laços com as pessoas mais próximas: mamar, agarrar, seguir com o olhar, chorar e sorrir constituem os comportamentos que o bebé adopta para manter a relação privilegiada com as figuras de vinculação / protecção, sendo os dois últimos especialmente destinados a desencadear a resposta do adulto, e nos quais o bebé insiste, de acordo com observações de Brazelton (referido por Flemming, 2005), até que consiga captar a sua atenção ou sucumba ao esforço repetido e continuado de o tentar, procurando assegurar assim a bilateralidade da relação.
Daqui se defere que o desenvolvimento harmonioso assenta na qualidade e quantidade das experiências relacionais com as figuras cuidadoras, as quais dão origem a sentimentos de satisfação / fustração, dependentes, por sua vez, de dois mediadores-chave no processo de Vinculação: a sensitividade e a reflexividade da(s) figura(s) cuidadora(s), as quais encontram expressão nas funções maternas descritas por Bion (referido por Flemming, 2005) de contenção – capacidade de conter/integrar mentalmente as experiências emocionais do filho – e de rêverie – capacidade de transformar as experiências emocionais em representações, e atribuir-lhes significado. Vários estudos concluíram que a capacidade materna de contenção dos estados mentais do bebé aumenta a sua confiança na capacidade materna de o cuidar afectuosamente, o que fortalece o vínculo emocional da criança com o adulto. Assim, se o sistema vinculativo se mostra apto a responder às necessidades do bebé, este adquire confiança no adulto, e cria objectos internos confiáveis - suportes mentais para a sustentação do sentimento interno de segurança, auto-estima e autoconfiança, o qual, como definido por Ainsworth (“Algumas notas sobre o processo de vinculação”, n.d.), se mostra suficientemente fortalecido cerca dos 7/8 meses de idade, altura em que se verifica a Vinculação propriamente dita, servindo, então, como trampolim para a descoberta do mundo, que se inicia entre os 9 e os 16 meses de idade, e permitindo que a partir do primeiro ano de vida se acentue o processo de Individuação. Assim, pode dizer-se (Fleming, 2005) que este processo funciona como ignição da dialética de estímulo recíproco e alternância, que se estende ao longo de todo o ciclo de vida do indivíduo, entre Vinculação e Individuação. De acordo com a fase de desenvolvimento em que o indivíduo se encontra, a tónica é posta ora na Socialização (Vinculação) ora na Identidade (Individuação), pois que, como já descrito, a interacção com o(s) outro(s) é o processo privilegiado de desenvolvimento, não só cognitivo e social, mas também da auto-imagem e da personalidade, dado ser através dele que “se organiza, progressivamente, a consciência de si, na medida em que o indivíduo não se pode aprovar a si próprio senão pela devolução do olhar e do julgamento do outro sobre si” (Aebisscher & Oberlé, 1998, adaptação, p. 9). Considerando o exposto, pode inferir-se que o cuidado familiar das crianças pequenas seria a conduta a adoptar preferentemente.
No entanto, considerando que a capacidade precoce de criar vínculos e a de diferenciar, são funções básicas na evolução e estruturação normal do psiquismo humano, fundamentais para o desenvolvimento da personalidade e das relações sociais, tanto quanto para o seu desenvolvimento emocional e cognitivo, cuja progressão é simultânea (Flemming, 2005), interrelacionada e interdependente (Damásio, 1994), que a vinculação se inicia ainda durante o período de gestação, quando a mãe cria o primeiro vínculo ao seu bebé imaginário, “pensando-o” (adivinhando-o, sonhando-o) - «trabalho» este que tem uma função de ajustamento e é fundamental para o posterior desenvolvimento da relação, e do vínculo ao bebé real, após o nascimento deste (Flemming, 2005), é possível concluir que a Primeira Infância (em especial o primeiro ano de vida) é a trave-mestra do desenvolvimento humano, assim como de bons índices de socialização dos indivíduos, o qual depende substancialmente quer da forma como a futura mãe “imagina” o seu bebé durante a gestação, quer da quantidade e qualidade das interacções desenvolvidas desde o nascimento, em especial no sentido de proporcionar um Processo de Vinculação que satisfaça as necessidades do bebé (nomeadamente a necessidade de afecto) por forma a alimentar convenientemente a segurança e confiança da criança nos seus cuidadores, o que constitui o substracto insubstituível para uma boa auto-imagem, auto-estima e auto-confiança.
Assim, e porque
a educação é a acção exercida pelas gerações adultas sobre aqueles que estão a iniciar a vida social; ela tem por objecto suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados psíquicos, intelectuais e morais que reclamam de si a sociedade em geral e o meio particular no qual se situa (Durkheim, 1922, 1968: 2, citado por Aebisscher & Oberlé, 1998, adaptação, p. 7),
a maior pertinência estará na adequada valorização política, económica e social desta fase do desenvolvimento, pelo que importa informar e sensibilizar tanto profissionais de saúde materna e pediátrica como futuros pais, àcerca do Processo de Vinculação, programando de acordo com as necessidades familiares particulares, a forma de assegurar a cada criança uma Vinculação segura, e evitando assim que uma série de teorias implícitas façam estragos desenvolvimentais quer nas figuras parentais quer na criança. Para tanto, importa quer contemplar na proposta de Educação Pública nacional esta fase de desenvolvimento (proporcionando espaços educativos próprios, vocacionados e estruturados para os cuidados desenvolvimentais a ter nesta fase da vida, nomeadamente no que toca ao processo vinculativo, e à qualidade e quantidade das interacções respectivas) quer dando às mães a possiblidade de uma licença de cerca de um ano, no mínimo, acompanhada da sensibilização indispensável para aqueles cuidados.
REFERÊNCIAS:
Aebisscher, V. & Oberlé, D. (1998). Le Group en Psychologie Sociale. Paris, França: Dunod. [pp.41-46], adaptação disponível na plataforma Moodle da UAb - UC de Psicologia do Desenvolvimento, 2010-11, turma 3.
Algumas notas sobre o Processo de Vinculação. Texto 4, n.d.. Disponível na plataforma Moodle da UAb - UC de Psicologia do Desenvolvimento, 2010-11, turma 3.
Carvalho, M. (2005). Contextos e Sentido do Desenvolvimento Humano na 1ª Infância. Tese de mestrado apresentada à Universidade do Minho. [pp. 3-8]. Recuperado de http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/7291/3/3%20-%20CAPITULO%201.pdf
Damásio, A. (1994). O Erro de Descartes. Lisboa, Portugal: Círculo de Leitores
Fisher, G. (1996). Les conceptes fundamentaux de la psychologie social. Paris, França: Dunod. [pp.35-36], adaptação disponível na plataforma Moodle da UAb - UC de Psicologia do Desenvolvimento, 2010-11, turma 3.
Flemming, M. (2005). Entre o medo e o desejo de crescer. Porto, Portugal: Afrontamento. [pp.17-31], adaptação disponível na plataforma Moodle da UAb - UC de Psicologia do Desenvolvimento, 2010-11, turma 3.
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Bodrova, E. et al. (2009). Redescobrir Vigotsky. Destacável NoEsis nº 77. Mem Martins, Portugal: Editorial do Ministério da Educação. Recuperado de http://www.min-edu.pt/data/Noesis/Destacavel%252077.pdf
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